Luís Fernando Veríssimo
Existem lendas sobre a origem da Mulher. Uma, que Deus pôs primeiro o homem a dormir, inaugurando assim a anestesia geral, tirou uma de suas costelas e com ela fez a primeira mulher. E que a primeira provocação de Eva foi de cuidar de Adão e agüentar o seu mau humor enquanto ele convalescia da operação. Uma variante desta lenda diz que Deus, com seu prazo para a criação estourado, fez o homem às pressas, pensando “Depois eu o melhoro”, e mais tarde, com tempo, fez um homem mais bem-acabado, que se chamou de Mulher, que é “melhor” em aramaico.
Outra lenda diz que Deus fez a mulher primeiro, e caprichou na suas formas e aparou daqui e tirou dali, e com o que sobrou fez o homem só para não jogar barro fora. Zeus teria arrancado a mulher de sua própria cabeça. Alguns povos nórdicos cultivam o mito da Grande Ursa Olga, origem de todas as mulheres do mundo, o que explica o fato das mulheres se enrolarem periodicamente com pêlos de animais, cedendo a um incontrolável impulso atávico, nem que seja só para experimentar, na loja, e depois quase desmaiar com o preço. Em certas tribos nômades do Meio Oriente ainda se acredita que a mulher foi, originalmente, um camelo, que na ânsia de servir seu mestre foi se transformando até se adquirir sua forma atual. No Extremo Oriente existe a lenda segundo a qual as mulheres caem do céu, já de kimono. E em certas partes do Ocidente persiste a crença de que a mulher se compra através dos classificados, podendo-se escolher idade, cor da pele e tipo de massagem.
Todas essas lendas, claro, têm a ver com a verdade científica. Hoje se sabe que o Homem é o produto de um processo evolutivo que começou com a primeira ameba a sair do mar primeiro, e é o descendente direto de uma linha específica de primatas, tendo passado por várias fases até atingir o seu estado atual – e aí encontrar a Mulher, que ninguém ainda sabe de onde veio. É certamente ridículo que as mulheres também descendem de macacos. A minha mãe não.
Uma das teses mais aceitáveis sobre o papel da mulher na evolução do homem é a de que o primeiro encontro entre os dois se deu no período paleolítico, quando um homo sapiens mas não muito, chamado, possivelmente, Ugh, saiu para caçar, avistou, sentado numa pedra penteando os cabelos, um ser que lhe provocou os seguintes pensamentos, em linguagem de hoje: “Isso é que é mulher não aquilo que eu tenho na caverna”. Ugh aproximou-se da mulher e, naquele seu jeitão, deu a entender que queria procriar com ela. “Agh maakgrom grom”, ou coisa parecida.
A mulher olhou de cima a baixo e desatou a sorrir. É preciso lembrar que Ugh, embora fosse até bem apessoado pelos padrões da época, era pouco mais que um animal aos olhos da mulher. Tinha a testa estreita e as mandíbulas pronunciadas e usava gordura de mamute nos cabelos. A mulher disse alguma coisa como “Você não se enxerga, não?” e afastou-se enojada deixando Ugh desolado. Antes de ela desaparecer por completo, Ugh ainda gritou “Espera uns 10 mil anos para você ver!”, e de volta à caverna exortou seus companheiros a aprimorarem o processo evolutivo. Desde então, o objetivo da evolução do homem foi de proporcionar um par a altura para a mulher, para que, vendo o casal, ninguém dissesse que ela saía com ele pelo dinheiro, ou para espantar assaltantes. Se não fosse por aquele encontro fortuito em alguma planície do mundo primitivo, o homem ainda seria o mesmo troglodita desleixado e sem ambição, interessado somente em caçar e catar seus piolhos, e um fracasso social.
Mas de onde veio a primeira mulher, já que podemos descartar tanto a evolução quanto as fantasias religiosas e mitológicas sobre a sua criação? Inclino-me para a tese da origem extraterrena. A mulher viria (isto é pura especulação, claro) de outro planeta. Tenho observado durante anos – inclusive casei com uma, para poder estudá-la mais de perto – e julgo ter colecionado provas irrefutáveis de que elas não são desse mundo. Observei que elas não têm os mesmos instintos que nós, e volta e meia são encontradas em devaneio, como que captando ordens de outra galáxia, embora disfarcem e digam que só estavam pensando no jantar. Tem uma lógica completamente diferente da nossa. Ultimamente têm tentado dissimular sua peculiaridade, assumindo atitudes masculinas e fazendo coisas – como dirigir grandes empresas e xingar a mãe do motorista do lado – impensáveis há alguns anos, o que só aumenta a suspeita de que se trata de uma estratégia para camuflar nossas diferenças, que estavam começando a dar na vista. Quando comentamos o fato, nos acusam de machistas, presos a preconceitos incapazes de reconhecer direitos, ou então roçam a nossa nuca com o nariz, dizendo coisas como “ionk, ionk” que nos deixam arrepiados e sem argumentos.
Claramente combinam isto. Estão sempre combinando maneiras novas de impedir que descubram que são alienígenas e têm desígnios próprios para a nossa terra. É o que fazem quando vão, todas juntas ao banheiro, sabendo que não podemos ir atrás para ouvir. Muitas vezes, mesmo na nossa presença, falam em línguas incompreensíveis que só elas entendem, obviamente um código para transmitir instruções para o Planeta Mãe.
E têm seus golpes baixos. Seus truques covardes. Seus olhos laser, claros e profundamente escuros, suas bocas. Meu Deus, algumas até sardas no nariz. Seus seios, aqueles mísseis inteligentes. Aquela curva suave da coxa quando está chegando no quadril, e a Convenção de Genebra não vê isso! E as armas químicas – perfumes, loções, cremes. São de uma civilização superior, o que podem nossos tacapes contra os seus exércitos de encantos? Breve dominaremos o mundo. Breve saberemos o que elas querem. Se depois desse artigo eu for encontrado morto com sinais de ter sido carinhosamente asfixiado, com um sorriso, minha tese está certa. Se nada me acontecer, é sinal de que a tese está certa, mas elas não temem mais o desmascaramento.
O que elas querem afinal? Se a mulher realmente veio ao mundo para inspirar o homem a melhorar e ser digno dela, pode ter chegado à conclusão de que falhou, que este velho guerreiro nunca tomará jeito. Continuaremos a ser mulheres com defeito, uma experiência menor num planeta inferior. O que sugere a possibilidade de que, assim como veio, a mulher está pronta a partir, desiludida conosco. E se for isso que elas conspiram nos banheiros? A retirada? Seríamos abandonados à nossa própria estupidez. Elas levariam suas filhas e nos deixariam com caras de Ugh.
Posso ver o fim da nossa espécie. Nossos melhores cientistas abandonando tudo e se dedicando a intermináveis testes com costelas, depois de desistir da mulher sintética. Tentando recriar a mágica da criação. Uma mulher, qualquer mulher, de qualquer jeito. Prometemos que desta vez não as decepcionaremos. Uma mulher! Como é mesmo que se faz uma mulher?
Luís Fernando Veríssimo
In: Linguagem Expressão da Vida, vol.4
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